quarta-feira, 20 de maio de 2009

Fora de Moda

É pior cometer uma injustiça do que sofrê-la, porque quem a comete transforma-se num injusto e quem a sofre não. Julgo ter visto a frase anterior atribuída a Sócrates. Mas muitas outras pessoas disseram coisas semelhantes ou experimentaram isto nas suas vidas. E é também esta, talvez, a nossa experiência.

Ao fazermos o mal, fazemos mal, em primeiro lugar, a nós mesmos. Aquilo que resulta desses actos é uma ferida noutras pessoas - se o mal que cometemos foi directamente contra alguém - e uma outra ferida, que permanece dentro de nós sob várias formas. Esta última é certamente ainda mais dramática do que a primeira. É uma espécie de terrível doença interior.

Existe o remorso. O desconforto de estarmos a sós connosco mesmos. Existe a angústia. E o desejo impossível de esquecermos. Existe a vontade louca de estarmos entretidos, a fuga à solidão e ao silêncio. A tentativa inútil de encontrarmos uma maneira de justificarmos perante nós mesmos os nossos actos. Existe o álcool... e a droga. E o medo.

E, algumas vezes, o suicídio.

A felicidade deixa de estar presente.

Só muito remotamente a felicidade tem relação com conforto material, dinheiro, prazer, desejos satisfeitos. Resulta da fidelidade esforçada àquilo que a nossa consciência nos dita. É o fruto sem preço de um comportamento correcto.

Consciência é o nome que damos à nossa inteligência quando - à maneira de um juiz - julga os nossos actos, realizados ou previstos, de acordo com um critério de bem e mal. Avisa-nos, censura-nos, mostra-se agradada.

Porque existem o bem e o mal, o certo e o errado. A verdade é que - quer queiramos quer não - chegamos ao mundo com umas regras de funcionamento. E a consciência é uma prova disso. Somos como as máquinas que construímos: se enchermos com gasóleo o depósito de um automóvel que gasta gasolina, teremos problemas; a máquina de lavar não se move se não estiver ligada à corrente eléctrica.

A felicidade depende dessas regras de comportamento que trazemos gravadas em nós e não podemos alterar. Uma mentira que dissemos feriu-nos. E uma calúnia, e um roubo, e um atentado contra a família. E por aí fora.

Que fazer quando a consciência não se cala, quando já não suportamos mais uma certa podridão que sentimos cá dentro, quando todos os argumentos que desenhámos já não nos dão sossego, quando nos assalta uma amargura infinita e vemos em nós um monstro?

Chega um momento em que sentimos necessidade de um banho interior que nos limpe, de um fogo que nos purifique. Que fazer? Existirá uma coisa assim, capaz de tocar o intocável? Haverá uma solução que impeça o desespero? Existirá qualquer coisa que torne possível começar realmente uma vida nova? Pode-se voltar a ser criança, ter de novo os olhos limpos?

Não descobri outra coisa senão aquilo a que os cristãos chamam o sacramento da Confissão. É possível encontrá-lo num canto sombrio de alguma velha igreja, junto de um padre. Muitas pessoas o têm utilizado, sentindo-se depois puras como crianças e alegres como pássaros.

Talvez possamos experimentá-lo. Claro que tem as suas próprias regras - que não são difíceis de aprender - e que teremos de estar dispostos a uma humilhação e a que nos doa. Mas isso é o que se espera de um fogo purificador.

A Confissão está fora de moda. Tão fora de moda como a felicidade... o que pode querer dizer alguma coisa.

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