quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A Excitação das Raridades Marinhas

Para os biólogos, ser raro é aparentemente uma característica de muitas espécies. Ou seja, a nossa capacidade de ver ou capturar uma espécie pode não ser eficiente e consideramos a espécie rara, quando na realidade ela pode não o ser; ou a densidade natural dessas espécies é na realidade baixa e aí sim a espécie é mesmo rara!

Certas espécies são raras, mas apenas fora dos limites de distribuição natural. Ou seja, dadas as peculiaridades de cada espécie, é suposto estas distribuírem-se dentro de determinados limites geográficos. Isso acontece por incapacidade d espécie de suportar certas parâmetros físicos (como temperaturas ou salinidades fora dos limites de tolerância) ou pela incapacidade dos indivíduos colonizarem novas áreas pelos seus próprios meios de locomoção (isso explica porque é que certas espécies não aparecem em ilhas).

Para o mergulhador comum (escafandro, caça ou apneia), encontrar uma raridade é uma excitação! O encontro com o desconhecido e a incapacidade de, com rigor, reconhecer e definir a importância do que se está a ver acaba por degenerar numa excitação para a qual o único perigo é o ficar viciado na sua procura. Alguns mergulhadores fazem autênticas expedições a áreas em que uma determinada espécie rara tenha sido avistada, apenas para no final e em caso de sucesso poderem incluir mais um registo exótico no logbook ou uma nota no Guia de Mergulho.

Normalmente, em vez de ser um fim em si, o avistamento de uma nova espécie acaba por ser um princípio. Depois de avistar uma raridade, as tentativas de explicar o encontro acabam por levar ao contacto com investigadores e outros interessados no mar. É uma actividade saudável e cujos os resultados poderão ser o aumento da cultura geral e uma melhor compreensão da fauna e do ambiente marinho de determinada área geográfica.

As espécies

Nos Açores, como em outros locais, o registo de espécies raras não é uma raridade!

Só recentemente foram detectadas quatro espécies de peixes tidas como raras nos Açores. Trata-se de um Tarpão-do-Atlântico, um Peixe-rã Radioso, um Sargo-vulgar e um Tubarão-frade. Todas estas espécies já tinham sido detectadas anteriormente nos Açores, mas a sua presença recorrente levanta algumas questões muito interessantes.

O Tarpão-do-Atlântico, Megalops atlanticus, foi capturado na Ilha de São Jorge, no mês de Setembro. Esta espécie, semelhante a uma sardinha de grandes dimensões, distribui-se essencialmente em águas tropicais e costeiras de ambos os lados do Atlântico. As ocorrências nos Açores, tal como nas costas do Continente, são raras. O exemplar em causa apresentava sinais de má nutrição indicando que provavelmente se tenha perdido, entrando pelo vasto Oceano. No entanto, já nos Açores, terá encontrado alimento abundante, pois o seu estômago estava cheio de chicharro, cavala e carapau. Todavia as ilhas não são susceptíveis de albergar esta espécie, visto que nunca houve uma colonização que conduzisse a uma população residente. A razão deste facto permanece uma incógnita.

Tarpão do Atlântico capturado em São Jorge. Na maioria dos casos, não é necessário apanhar as raridades para que estas se tornem valiosas, bastando uma fotografia de preferência com o animal vivo e livre.

O Peixe-rã Radioso foi registado para os Açores pela primeira vez pelo padre e naturalista Ferreira em 1940 que referiu um espécime capturado nas Velas de S. Jorge, a 10 m de profundidade, e preservado na colecção do Museu Carlos Machado em Ponta Delgada. Entretanto, o exemplar desapareceu! Cinquenta e cinco anos mais tarde, Azevedo e Heemstra registam a ocorrência de um exemplar de Antennarius, identificado pelos autores como A. senegalensis. O espécime, capturado em S. Miguel, a 2 milhas fora de Ponta Delgada, a cerca de 130-140 m de profundidade, está depositado no Museu Municipal do Funchal. Os autores sugerem que o registo de Ferreira possa ser uma misidentificação visto as espécies serem muito aparentadas (isto é ambas pertencerem ao grupo de espécies tipo A. ocellatus). Além disso, A. senegalensis só foi descrito por Cadenat em 1959, muito depois do registo de Ferreira. As duas espécies estão registadas em Santos et al., mas A. radiosus figura só na listagem de espécies a confirmar, como consequência das observações feitas por Azevedo e Heemstra. O registo de Peixe-rã Radioso para os Açores é uma das poucas referências à espécie fora da sua área de distribuição; isto é, Atlântico Oeste. Outras referências para o Atlântico Este incluem dois adultos para a Madeira, e um pré-juvenil (forma pelágica) para as costas da Irlanda.



Peixe-rã Radioso fotografado em laboratório
Foto: F Porteiro ImagDOP

O Sargo-vulgar, Diplodus vulgaris, já foi referido anteriomente para os Açores embora ainda não conste da listagem efectuada por Santos et al. especialmente porque a as observações confirmadas desta espécie terem ocorrido apenas após 1997. Os exemplares anteriores foram observados sempre em volta do Monte da Guia na Ilha do Faial o que levanta a hipótese da entrada destes animais se faça através das águas de lastro que as embarcações que frequentam o porto da Horta transportam. Este meio de transporte já foi sugerido anteriormente para justificar a ocorrência de outras espécies de peixes como Chaetodon sedentarius ou ascídeas como Clavelina lepadiformis e C. oblonga e a alga Asparagopsys armata. Mas uma das questões que se coloca é porque é que apenas o Sargo-vulgar ocorre recorrentemente e não outras outras espécies, incluindo algumas de sargos.


Sargo (esquerda) e sargo-vulgar (direita).
Foto: F Cardigos ImagDOP

Tubarão-frade, Cetorhinus maximus, um jornal dos Açores noticiou a captura de um tubarão de 4.30 m no litoral do Porto Formoso (S. Miguel). Foi uma captura muito rara para a tripulação do Santo Cristo, uma embarcação de boca aberta com 7m de comprimento. A captura deste peixe foi de certa maneira um feito heróico para o mestre José Domingos e sua tripulação. Na realidade porém, trata-se de um peixe inofensivo que se encontra em mau estado de conservação (Anexo II da CITES). Esta espécie já tinha sido previamente registada para os Açores por quatro vezes. A sua distribuição natural limita-se a mares temperados e frios dos Oceanos.


Tubarão-frade.
Foto: L Quinta Revista Mundo Submerso

Porque são importantes estes registos ?

Será que o registo da ocorrência destas espécies estão a acontecer em maior número porque há uma maior sensibilidade e esforço de observação por parte de utilizadores e estudiosos do mar ou, pelo contrário, porque há realmente mudanças climáticas que justifiquem a sua presença nos Açores? Esta questão pode ser respondida apenas com a continuação dos estudos sobre a hidrologia dos Oceanos e pela monitorização dos mares por parte de todos os que o frequentam e se interessam pelo tema. É que se o registo destas espécies raras for uma consequência do aumento de amostragem (ou seja, por haver muitas pessoas a enviar as novas capturas para o DOP) é interessante e extremamente positivo este intercâmbio entre a comunidade e uma instituição científica. Mas, caso seja este o resultado de alterações climatéricas globais, então o assunto terá de ser enfrentado de uma outra forma. Significa que as alterações já são suficientes para que os limites de distribuição das espécies se modifique até no meio do Atlântico. Estes processos de alteração rápida dos limites de distribuição podem ser catastróficos para o equilíbrio ecológico das espécies primitivamente existentes nessa área.

Outras perguntas que ficam no ar cada vez que se observa e regista uma raridade incluem: Quantas espécies continuam por baixo da linha de água, prontas para ser identificadas? Será que algumas delas mantém uma população viável na nova região?

Se sim, essas populações são compostas por poucos indivíduos, isto é as espécies são naturalmente raras na região, ou é o facto de estes peixes não serem capturados pelas artes de pesca que tradicionalmente actuam na área, que os torna aparentemente tão raros?

Epílogo

O Tarpão foi enviado para o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores pelo Sr. António Gomes ao saber do acontecimento. O Peixe-rã radioso foi capturado por uma embarcação também de São Jorge, Família Medeiros, ao largo do Pico.

Na realidade não é absolutamente necessário capturar as raridades para que elas constituam um objecto de estudo interessante. O sargo-vulgar foi apenas registado com uma máquina fotográfica, mas, graças ao registo em simultâneo das duas espécies Diplodus vulgaris e D. sargus cadenati, não deixa margem para dúvidas sobre a sua identificação. Foi fotografado na Ilha do Faial, na Caldeirinha de Dentro, no decorrer de um trabalho de investigação científica relacionado com o crescimento de uma espécie de algas.

Para que se tenha um conhecimento detalhado destas ocorrências é muito importante indicar todos os detalhes relativos ao registo (data, local, profundiade e arte de captura ou observação) e, se possível, enviar os detalhes e o exemplar para a instituição de investigação científica mais perto da área de captura/observação (no caso dos Açores o DOP).

Por: Frederico Cardigos e Filipe Porteiro

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